Em entrevista bombástica Bruna Sufistinha narra a sua trajetória.

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 Lançado nos cinemas há menos de um mês, o filme Bruna Surfistinha já foi visto por mais de 1,5 milhão de espectadores. O livro que lhe deu origem, a biografia O doce veneno do escorpião, é um best-seller com mais de 250 mil exemplares vendidos.

Raquel Pacheco tinha 17 anos quando decidiu fugir de casa e virar a garota de programa de pseudônimo Bruna Surfistinha. A Bruna, Raquel deve o dinheiro, o marido e a popularidade. Por causa de Bruna, Raquel não fala com os pais há oito anos.

Em entrevista feita pelos leitores de ÉPOCA, diz que não se arrepende das escolhas que fez. Mas não recomenda seu caminho: ?Se alguma menina sentir-se incentivada a seguir a minha trajetória, é por ter a mente muito fraca?.

QUEM É
Raquel Pacheco, de 26 anos, é casada. Foi atriz pornô e prostituta, com o pseudônimo Bruna Surfistinha

O QUE FEZ
Em 2003, criou um blog para contar suas histórias profissionais. Publicou dois livros: O doce veneno do escorpião (2005), que inspirou o filme Bruna Surfistinha (2011), e O que aprendi com Bruna Surfistinha (2006)


Como está sua vida atualmente? Está casada, feliz, quais suas atividades? Vc se arrepende de alguma coisa que fez no passado? Maria Claudia O. de Paiva, São Paulo, SP

Raquel Pacheco - Sou casada há quase seis anos e estou vivendo uma das minhas melhores fases. Por causa da estreia do filme, estou focada na Bruna, minha "criatura", então estou aproveitando as boas oportunidades que estão surgindo. Não sei se algum dia me arrependerei de algo, mas por enquanto isto ainda não aconteceu. Acredito que nada acontece por acaso. Cometi muitos erros, mas não consigo ver a minha vida sem eles.

Quem você culpa por ter tomado esse rumo em sua vida? Geralmente muitas jovens se prostituem alegando problemas de ordem econômica, o que não foi o seu caso. Que tipo de lição ficou depois de tanto sofrimento? Valeu a pena, mesmo com fama e dinheiro, passar por tudo isso? Nazareno Santo, Itaituba, Pará

Raquel - Eu não culpo ninguém, todas as minhas decisões partiram de mim. Não precisava me prostituir, mas escolhi tomar esse rumo porque, naquela época, acreditei ser uma boa opção. Com 17 anos eu não tinha a menor noção das consequências que essa escolha poderia me trazer. A maior lição que tive é que não podemos julgar as pessoas e aprendi a respeitar todas as diferenças que existem. Aprendi que as pessoas são livres para ser ou fazer o que bem quiserem e que ninguém tem o direito de julgar os outros. Fazendo um balanço com todos os altos e baixos que enfrentei, vejo que, embora eu tenha caído em todas as armadilhas da vida, valeu a pena ter passado por tudo pelo amadurecimento e por ter aprendido a gostar de mim.

Raquel, da vida como garota de programa, do que você sente falta e do sente mais tristeza, raiva ou algo assim daquela época? Gabriela Martins, Goiânia, GO

Raquel - Eu sinto falta de amizades que tive naquela época. Sou muito grata por algumas pessoas que conheci na prostituição, mas nunca mais nos vimos. Não guardo mágoa de ninguém, nem mesmo das inimizades. Dos momentos ruins, ficaram os aprendizados.

Raquel, sei que você ja fez filmes adultos, vulgo "pornôs". Você ainda faz esses tipos de filmes, se arrependeu? Daniel Gomes, Montes Claros, MG

Raquel - Gravei dois filmes pornográficos quando ainda não era conhecida. Na época, não imaginava que eu, como Bruna Surfistinha, faria sucesso. Faz sete anos que os fiz, mas a produtora agiu de maneira muito oportunista. Nunca mais fiz e não farei, embora tenha recebido uma proposta muito boa.

Raquel, seu filme estrelado por Débora Secco deixou uma lacuna no que se refere aos seus filmes adultos. Houve algum motivo para não ser retratado? Wesley Tomaz de Oliveira, Franca, SP

Raquel - O filme Bruna Surfistinha é uma adaptação do livro ´O doce veneno do escorpião´. Quando assinei o contrato com a produtora e meses depois tive contato com o roteiro pronto, já sabia que o filme não retrataria todos os momentos da minha vida. Por ser uma adaptação, não há a obrigação de ser extremamente fiel à história do livro.

Você afirma ter saído de casa porque se achava deslocada da família e da escola. Hoje em dia, depois que isso virou passado, você acredita que possa ter sido uma "rebeldia de adolescente" quando fez, ou continua acreditando que fez a coisa certa? Se arrependeu de ter virado garota de programa ou consegue analisar este período como uma fase de experiência, mesmo tendo sido dolorosa? Maísa Di Paschoal, Londrina, PR

Raquel - A minha rebeldia foi algo que influenciou muito minha decisão de fugir da casa dos meus pais para me prostituir. A educação que os meus pais me deram foi muito conservadora e a proteção era extrema. E, rebelde, quis me libertar e explorar um mundo que não conhecia. Mas, não me arrependo desta decisão. Não consigo ver a minha vida sem os meus erros.

Você não conversa mais com sua mãe, certo? Nesse momento, o que você gostaria de dizer a ela? Gleidson Rodrigues da Silva, Campo Grande, MS

Raquel - Os meus pais ainda não me aceitaram novamente, ainda não conseguiram me perdoar. Faz cinco anos que fiz minha última tentativa de reaproximação, coloquei no final da carta todos os meus contatos, mas eles nunca me procuraram. Se eu tivesse oportunidade neste momento de dizer algo à minha mãe, diria que reconheço todos os meus erros e o fato de ter sido uma péssima filha, e que ela faz muita falta. Não houve qualquer dia nestes oito anos que não nos vemos que eu não tenha pensado neles. Se eles me deram muitas chances quando eu era adolescente, queria que me dessem apenas uma agora que já sou adulta.

Raquel, não entendi direto sobre a sua saída de casa para ir num lugar onde poderia oferecer perigo. A não ser que seus pais adotivos não fossem carinhosos e batessem em você.... Gostaria que explicasse a tua relação com seus pais. Marcelo Gomes de Andrade, Guarulhos, SP

Raquel - Os meus pais adotivos me amaram da maneira deles, não posso culpá-los de nada. Na adolescência, por ser rebelde e depressiva, coloquei na cabeça que eles não me amavam. O fato deles não me deixarem fazer coisas típicas de uma adolescente, como namorar, confundia a proteção extrema com falta de amor. Não aceitava as regras que eles me impunham. Além disso, houve um crise de geração entre nós e eles não souberam acompanhar a minha. Sou da geração que sair na adolescência para beijar várias bocas é normal. Eles são da geração que o normal para uma mulher era casar jovem, com o primeiro namorado, e virgem. A falta de diálogo em casa também prejudicou o nosso relacionamento.

Eu gostaria de saber se algum dia a Bruna sentiu prazer ao atender alguém? Eduardo, Rio de Janeiro, RJ

Raquel - Poucas vezes senti prazer, principalmente porque sempre encarei a prostituição como um trabalho e, por isso mesmo, deixava minha satisfação em segundo plano. O meu prazer mesmo estava em satisfazer o cliente, ter certeza de que ele tinha gostado da minha companhia.

No filme não aparece, em nenhum momento, a importância do uso da camisinha. Será mesmo que isso não é importante em um filme que é destinado e focado no público adolescente? Geraldo Ramos Junior, São Paulo, SP

Raquel - Acredito que a educação sexual e o incentivo do uso da camisinha tenham que ser ensinados em casa. Os pais que têm esta obrigação. Nunca conversei sobre sexo com a minha mãe, mas, mesmo assim, desde a minha pré-adolescência ela sempre fez questão de conversar comigo sobre as doenças sexualmente transmissíveis e a importância do uso de camisinha. E ela me alertou tanto que até mesmo em minha primeira relação sexual, que foi com um namorado, uma pessoa em quem confiava, não deixei de usar. Além disso, no filme não há sexo explícito.

Você não teve medo de pegar aids pelos programas ou compartilhando seringa? Você disse que gostava de fazer programas, mas o gosto compensa o perigo de pegar doença ou levar surra de algum louco? Eu acho que você teve sorte! Maria, Uberlândia, MG

Raquel - Não tive medo de pegar aids porque me protegia, era eu quem colocava camisinha no cliente, tendo então garantia que tinha sido colocada da maneira correta e não de qualquer jeito. Nunca aconteceu de alguma estourar. Não compartilhei seringa em nenhum momento, pois as drogas que consumi não precisavam de uma. Quanto a levar surra de algum louco, realmente tive muita sorte por isso nunca ter ocorrido, mas não precisa ser garota de programa para correr este tipo de risco.

Bruna, você sofreu algum tipo de violência com clientes? Calotes? Samantha, Campinas, SP

Raquel - Sofri violência verbal de alguns clientes. Em relação a calotes, tive o azar de pegar algumas notas falsas. Recebi mais de um cheque sem fundo, mas corri atrás dos meus direitos e consegui receber os valores. E uma vez me pagaram com cheque roubado, fiz queixa em uma delegacia porque o tinha depositado em minha conta, então meu gerente me alertou a fazer um B.O. para não ter nenhum tipo de problema, mas não consegui recuperar o valor.

Raquel, muitas pessoas estão criticando o filme por fazer apologia à prostituição e incetivar meninas imaturas em conflitos com os pais a se tornarem garotas de programa. Que conselhos você daria a essas meninas, que por algum motivo acham que a prostituição pode ser um saída fácil? Você acha que a sua história pode servir de exemplo ou o melhor caminho seria dar mais valor à família e às oportunidades oferecidas pelos pais? Camilla, Niterói, RJ

Raquel - Quem diz que o filme faz apologia à prostituição certamente não o assistiu. Sempre fiz questão de deixar claro que, se prostituição fosse boa, eu jamais teria parado. Assim como sempre deixo claro o quanto minha família faz falta. E não tê-la mais é a consequência cara que pago até hoje. Se hoje estou bem e há um filme baseado em minha vida, é por questão de sorte, pois sei que a minoria das garotas de programa consegue ter um final feliz. Ainda assim, se alguma menina se incentivar com a minha trajetória, é porque possui uma mente muito fraca e imatura.

Raquel, o que leva um homem casado, pai de família, com uma vida constituída, a procurar mulheres na rua? Mulheres que eu digo podem ser garotas de programa, ou até mesmo amantes. Por que, mesmo tendo sexo em casa, carinho, ainda assim procuram os braços de outras mulheres? Seria desvio de caracter ou só sexo mesmo? Letícia, Niterói, RJ

Raquel - Os homens conseguem separar sexo de amor com uma facilidade incrível. Para eles, o fato de fazer sexo com outra mulher não é considerado traição, pois não há o envolvimento, só vontade carnal. Muitos buscam uma garota de programa para realizar alguma fantasia que eles não têm coragem de pedir para a esposa, pois têm medo da reação dela. Por exemplo, fui várias vezes "Bruno", fazendo então a inversão de papéis. Há muitos homens que têm curiosidade e querem ser penetrados, mas jamais pediriam isto à própria mulher. E eu concordo que, se pedissem à elas, a maioria não aceitaria fazer. Muitos também querem coisas simples que não recebem da parceira, pois não são todas as mulheres que gostam de fazer sexo anal e oral... Ou melhor, que gostam de fazer sexo.

O que você acha sobre a legalização da profissão garota de programa no Brasil levando-se em consideração que esse movimento traria direitos/deveres para os envolvidos, mas também levaria a uma maior popularização das atividades, estimulando, talvez, a difusão do turismo do sexo no país? Beatriz, São Bernardo do Campo, SP

Raquel - A legalização é um assunto delicado porque há prós e contras. Entre todas as garotas de programa que conheci, poucas diziam ser a favor disso, pois não gostariam de ter o registro na carteira de trabalho, já que a maioria tem a prostituição como o maior segredo de sua vida. Particularmente, acredito que a legalização seria muito bom, pois se a prostituição é uma das profissões mais antigas, por que não torná-la uma profissão reconhecida? A exploração diminuiria e as prostitutas seriam mais respeitadas.

Você acha que a atriz Deborah Secco foi a melhor opção para interpretá-la neste filme? Marcio Ferreira Vieira, Niterói, RJ

Raquel - Quando os testes para o elenco começaram, eu tinha alguns nomes de atrizes em mente, incluindo a Deborah. Quando a vi pela primeira vez me interpretando no set de gravação, já tive certeza que a escolha do diretor por ela foi a melhor possível. Não consigo imaginar outra atriz no meu papel.

Qual foi a sua avaliação da atuação da atriz Debora Secco no filme? Você se sentiu identificada com a personagem criada pela atriz? Chegaram a conversar para trocar impressões? Maria Terezinha Santellano, Alegre, RS

Raquel - Nós nos conhecemos apenas quando as gravações já haviam começado. Tanto ela quanto o diretor não queriam que a Bruna do filme fosse uma caricatura minha. A Deborah então quis criar a Bruna dela antes de me conhecer pessoalmente. Mesmo assim, eu consigo me ver do início ao fim do filme. Todas as minhas amigas já assistiram o filme e comentaram isso também.

Raquel, quando seu livro saiu, eu e meu marido estávamos passando por um período em que o sexo tinha ficado em segundo plano. Como gosto muito de ler, li o seu livro e mudei o meu pensamento. Afinal, eu era esposa e não irmã de meu marido, e meu casamento mudou para melhor. Você tem consciência do que o seu livro pode causar na vida de um casal? Silvania Costa, Pará de Minas, MG

Raquel - Não tenho consciência do que meu livro pode causar na vida de um casal, mas fico feliz por saber que, assim como aconteceu com você, consegui salvar muitos casamentos, mesmo que de uma maneira indireta.

Gostaria de saber se você tem noção da celebridade que se tornou, e o quanto você significa para uma legião de fãs espalhados pelo Brasil. Isso te assusta? O que diria para as pessoas que te têm como ídola? Douglas Buzzerio, Piracicaba, SP

Raquel - Ainda me assusto com a repercussão que causo e com a quantidade de fãs que tenho. Quando resolvi me expor na mídia, jurava que em menos de seis meses cairia no esquecimento e não pensei na possibilidade de ter fãs. Até hoje não me sinto celebridade, não fiquei deslumbrada com a fama, tenho os pés no chão. Ainda acredito que cairei no esquecimento a qualquer momento. Mas tenho um carinho muito grande pelos meus fãs, faço o possível para retribuir a atenção, mesmo que virtualmente, e espero não decepcioná-los.

Imagino que, por ter se tornado uma pessoa pública e por todo mundo conhecer sua história, você sofra algum tipo de preconceito, comentários maldosos, tratamento moralista. Gostaria de saber como você lida com essas coisas no dia a dia ? na padaria, no cabeleireiro, na rua etc. Marina Meirelles, São Paulo, SP

Raquel - Se eu me importasse com críticas ruins, não teria saído do anonimato, pois quando decidi dar a cara à tapa, estava preparada para ser apenas criticada. Até hoje as críticas acontecem de maneira virtual, pois as pessoas que têm tempo para criticar a vida alheia, mais do que desocupadas, são covardes. Ninguém teve coragem de me criticar olhando em meus olhos, apenas longe de mim. Mesmo assim, assumo que no início da minha exposição chorei algumas vezes ao ler comentários bem pesados, mas logo aprendi que ninguém perde tempo com aquilo que diz não gostar. Hoje encaro muito bem isso, as críticas me mostram também que quem me conhece, não me esquece. Elas geram polêmica e ajudam a manter meu nome em evidência.

Por que escolheu entrar no submundo da prostituição? Você se arrepende de ter vendido o seu corpo? O que você aconselharia às pessoas sobre sua vida? Como você lida com a imagem da Bruna dentro de sua verdadeira identidade de Raquel? Há conflitossobre o seu passado? Você é feliz ? Você gosta de viver um "personagem"? Quando o "personagem" sai de cena, o que resta na vida de Raquel ? Pio Barbosa Neto, Fortaleza, CE

Raquel - Sei separar muito bem as duas. Em uma época, pensei em abandonar meu pseudônimo assim que parasse de fazer programas. Mas, assim que parei, em menos de um mês, meu primeiro livro foi publicado e tornou-se um sucesso. Percebi então que não faria sentido abandonar o nome pelo qual fiquei conhecida. Mesmo assim, no segundo livro, quis arriscar e assinar como Raquel, mas aconteceu justamente o que imaginava: muitas pessoas começaram a achar que Raquel era alguém que estava aproveitando o sucesso da Bruna. O problema é que, ao contrário de mim, há muitas pessoas que não conseguem separar as duas. Nunca tive a Bruna exatamente como uma personagem, pois em nenhum momento deixei a Raquel completamente de lado. Tenho a Bruna como minha criatura. Sou muito bem resolvida com o meu passado, mesmo pagando algumas consequências ainda. Quanto a ser feliz, é muito relativo, pois a visão que tenho sobre felicidade é muito complexa, é algo que não podemos parar de buscar, mas a verdade é que nunca estaremos satisfeitos com nossa própria vida, sempre estará faltando algo, pois é impossível termos tudo o que queremos. A vida é feita de escolhas. Não gosto da pergunta com o verbo ser, mas com o estar. Prefiro perguntar e responder: "Você está feliz?". E hoje eu posso responder que sim, estou muito feliz.

Fonte: época

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