Piauí é filho da pecuária e da escravização dos indígenas, diz historiador


Antônio Fonseca dos Santos Neto é professor, historiador, advogado e membro da academia piauiense de letras

Antônio Fonseca dos Santos Neto é professor, historiador, advogado e membro da academia piauiense de letras Foto: Samuel Brandão

O Piauí Hoje, em reportagem especial ao Dia do Piauí, entrevista o professor e historiador, Fonseca Neto, para falar sobre história do desenvolvimento do Estado, a relação com os indígenas e povos que aqui viveram, a formação do povo piauiense e considerações sobre o desenvolvimento econômico e social nos dias atuais.

1 – Professor, como se deu o desenvolvimento econômico do Estado do Piauí no início da sua colonização?

O Piauí é filho da pecuária, é filho da escravização dos indígenas. O primeiro objeto de venda que a colonização no sentido mercantil operou aqui, foi o bandeirantismo, apresando o corpo de nativos para vender como mercadoria, vem em seguida o saque dessas terras e a implantação dos currais, isso foram atos econômicos típicos, fundadores, estruturadores da sociedade piauiense com profundas implicações nos dias de hoje, depois de mais de três séculos, nós vemos o Piauí amarrado por alguns nós dessa dinâmica de colonização centrada no criatório, na pequena economia de subsistência, isso explicaria uma certa timidez, isso logicamente comparando com a dinâmica das economias mais chegadas às áreas litorâneas, mais ajustadas nos fluxos da circulação mercantil na formação do Brasil, das primeiras cidades da américa portuguesa.

2 -  Como se deu o contato dos colonizadores com os diversos nativos que aqui viviam?

O vale do Rio Parnaíba, que é o Piauí , no ano de 1650, quando aqui pisam os primeiros brancos, percorrem todo esse vale que é altamente povoado por tribos indígenas por gentis, das mais variadas filiações étnicas. O Piauí para que se torne esse campo produtor de pecuária extensiva precisa exercitar o apresamento dessas populações em grande escala que resistirão, ninguém se entregará docilmente a dinâmica que estava chegando, esses nativos resistirão o quanto puderem, serão eliminados em grande parte ou se deslocarão para outras áreas do sertão adentro ou por que serão absorvidos na dinâmica da própria casa grande de fazenda na atividade produtiva em expansão através da escravização, então são três mecanismos que explicam o desparecimento enquanto grupos humanos organizados desse vale do Piauí, dessas populações seculares , milenares que aqui habitavam.

3 –  Nesse processo, houve muito sangue derramado dos indígenas “piauienses”?

A ocupação do vale do Piauí é uma guerra, é uma guerra de mundos, de homens, mulheres, guerra real de derramamento de sangue sem parar, que resulta nas mais hediondas experiências de dominação, genocídio, etnocídio.

A ocupação desse território, ela é cruel pelo padrão da chamada civilização branca europeia, não havia paz, não havia nenhum sentido de agregação para se construir um mundo orientado num projeto de paz, é um projeto de saque, a colonização é um projeto de saque de tudo que seja possível e claro que o principal elemento de ocupação do vale do São Francisco e do vale do Rio Parnaíba não era implantar uma monocultura , nem implantar cabeça de gado, era antes de tudo apresar, laçar, apresar aquele índio para levar para o quintal dos engenhos para vendê-los como uma espécie de escravo, inclusive, uma espécie de escravos de segunda qualidade por que ele não tinha o valor do escravo africano que já saía da África como uma mercadoria, o indígena era feito mercadoria no processo, numa espécie de um derrotado de guerra.

Houve um processo de eliminação, os que sobraram herdaram essa estrutura imposta, os que ganharam a guerra assumiram, o nome que ficou é um nome da linguagem nativa, “Piauí”, mas não fica muito além disso, mas há heranças, a ordem colonial se preza até hoje e o Brasil ainda é uma colônia em certo sentido como um país com uma territoriedade ainda submissa aos laços que a Europa produziu naquele tempo. O Brasil ainda hoje continua renovando esses laços de submissão, essas heranças tão perversas de excludência do próprio conjunto do seu povo.

4 – Como se deu o desenvolvimento urbano das cidades do Piauí?

O desenvolvimento urbano das cidades do Piauí durante o período colonial é exatamente o mesmo padrão das cidades da América Portuguesa, é a ocupação dos sertões pelo gado, pelo apresamento de indígenas. No século 18,  Oeiras foi transformada em capital por que precisava de um lugar que se estabelecesse os cartórios, a sede do governo, a sede da igreja,  das estruturas burocráticas mínimas para ordenar o processo de controle da sociedade e da produção econômica, ainda que incipiente. Essas cidades vão nascendo de acordo com as forças de desenvolvimento econômico, depois de Oeiras vem uma teia de micro-municípios e vilas.  Do extremo sul de Parnaguá a Parnaíba , lá do Marvão, Jerumenha, Valença, Campo Maior é um processo lento de criação de cidades no Piauí por conta do processo e dinâmica produtiva de estruturação de cidades. Parnaíba por exemplo se destacou economicamente por um processo de xarqueamento da carne do gado, depois Campo Maior, um centro pastoril excelente, Picos com os caminhos cruzados do Piauí e o restante do Nordeste, Floriano, no médio Parnaíba, como ponto quase final de uma navegação mais vigorosa no rio, várias cidades foram se desenvolvendo com essse processo no decorrer dos anos.

A navegação do rio Parnaíba foi durante 100 anos o elemento central do desenvolvimento econômico e cultural do Piauí, a navegação do rio é o elemento dinâmico, estruturador maior da economia e da sociedade piauiense é o tempo em que as sedes urbanas descerão para a margem do rio Parnaíba. O rio se transformou no grande veio que potencializou negócios, intercâmbios, é uma microrevolução regional e no centro disso tudo está a mudança da capital que estrategicamente foi uma peça importante nesse processo de preparação para a chegada da navegação à vapor.

5 – Como você vê o desenvolvimento econômico do Piauí nos tempos atuais?

No atual momento, o Brasil é uma economia dependente, é uma economia que o centro do mundo diz o que ele tem que produzir e nesse sentido, o Piauí tem como um produto de desenvolvimento a inserção da soja, essa territoriedade sojeira mais recente com um grande impacto ambiental, mas um impacto apenas relativo do ponto de vista do desenvolvimento social do elemento humano do Piauí. Esse dinheiro da soja no máximo potencia ao alargamento da máquina democrática, uma maior arrecadação do estado para alimentar essa máquina mas não passa muito disso, o Piauí não consegue agregar outro tipo de indústria mais moderna que distribuísse mais renda e engajasse mais pessoas no sistema de trabalho, esse desenvolvimento ligado à soja produzindo essas “commodities“ cujo valor e preço é feita em bolsas de valores 5 anos, antes da própria produção se dá, isso tem apenas uma importância relativa para o Piauí em que pesa o ponto de vista da propaganda, das impressões que passam de que o estado estaria se modernizando, não há elementos de um desenvolvimento de sociedade em linhas que projetem um futuro mais auspicioso.

Fonte: Samuel Brandão

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