Educação

Filhos e mulheres de operários mortos em canteiros de obras relatam o

Piauí Hoje

Segunda, 11/01/2010 às 03:01



Basta um passo em falso para o dia de trabalho acabar em tragédia. Acostumados a trabalhar em andaimes ou dentro de buracos e rodeados de máquinas, milhares de operários da construção civil arriscam-se diariamente em troca do salário no fim do mês. O perigo aumenta quando o equipamento de segurança é deixado de lado. Ou, ainda, quando a empresa ou o governo não fiscalizam o canteiro de obras. O resultado: famílias dilaceradas por acidentes que, na maioria dos casos, poderiam ser evitados. Segundo o Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil, 58 operários se acidentaram e 12 perderam a vida em 2008 no Distrito Federal. Em 2009, a quantidade de acidentes foi praticamente a mesma, 57. Mas 15 pessoas morreram, um aumento de 25% em relação ao ano anterior.Nestes 10 dias de 2010, são dois casos de acidentes em obras, um dos quais terminou em morte. O Correio conversou com filhos e mulheres de trabalhadores que sofreram acidentes na construção civil. Ainda com o choro engasgado, famílias tentam reinventar a rotina sem a base financeira da casa. Sozinhas, as mulheres assumem a responsabilidade de pai e mãe para manter os filhos. E a saída, para muitos órfãos, é ajudar no sustento da casa. É o caso de Gilvanei de Mota, 21 anos, que é paraplégico e entrega à mãe o salário mínimo que recebe; e ainda de dois filhos de Raimundo da Costa, 55, morto na última segunda-feira. Os jovens mantêm a mãe, três irmãos e um sobrinho. A caixa Kelly Lins, viúva de outro trabalhador, agora arca sozinha com as despesas da família, reduzida a ela e a duas filhas pequenas.Segundo o presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil, Edgar de Paula Viana, o principal problema das obras é a falta de fiscalização, tanto por parte da empresa responsável - que precisa exigir de seus funcionários o uso dos equipamentos de segurança - quanto da Superintendência Regional do Trabalho - que deve vistoriar desde a higiene da cantina dos operários até os itens de proteção. Viana ressalta que a quantidade de acidentes está diretamente relacionada ao aumento do número de obras no DF: "Brasília se transformou em um canteiro de obras. Há três anos, havia 40 mil operários. Hoje, são mais de 80 mil. Mas o número de fiscais de obra, porém, continua pequeno para a quantidade de trabalhadores". Elson Póvoa, presidente do Sindicato da Construção Civil, defendeu mais treinamento para os trabalhadores.Representantes da superintendência e da Delegacia Regional do Trabalho foram procurados pela reportagem, mas, até o fechamento desta edição, não haviam retornado as ligações.Julia de Oliveira, 5 anos, passa carinhosamente o dedo indicador na foto com o rosto do pai. Com um sorriso tímido, ela fala com saudade de Josué Afonso de Oliveira, 28 anos. "Ele me levava no parquinho e brincava de pique-esconde", recorda-se. Em 9 de novembro do ano passado, o mecânico morreu esmagado por uma empilhadeira de 3,5t em um canteiro de obra no Setor de Armazenagem e Abastecimento Norte (SAAN). E desde então, Julia, a irmã, Giovana, 3 anos, e a mãe, Kelly Cristina Silva Lins, 30, (as três na foto) tentam mudar de rotina para aliviar a dor da morte do parente querido.Elas se mudaram da casa em que moravam com Josué, também em Planaltina. Há quase um mês, vivem em uma quitinete de quarto e sala em cima do comércio onde Kelly trabalha como caixa, no Jardim Roriz. "As meninas estavam sofrendo muito. Elas não queriam mais dormir naquela casa, onde tudo lembrava ele. Além disso, perdemos a maior renda da casa", explicou a mãe. Com cuidado, Kelly explica às filhas que o "papai está no céu". "Julia sofre muito. Giovana às vezes grita e chora de saudade pedindo a presença do pai."A maior preocupação de Kelly agora é criar as filhas sem a presença de Josué. "Ele era muito presente na nossa vida. Mas sei que tenho que ser forte por causa das meninas, elas agora dependem de mim para tudo", disse. Ela conversou com o marido duas horas antes do acidente. Na ocasião, mesmo com pressa, disse à mulher: "Só queria dizer que te amo e que você é um presente em minha vida". Eles estavam juntos havia sete anos.A VÍTIMAJosué Afonso de Oliveira, 28 anosMorava no Jardim Roriz, em PlanaltinaTrabalhava como mecânico em uma empresa de empilhadeiras em canteiros de obraEra casado com Kelly Cristina Silva Lins, 30 anosDeixou duas filhas, uma de 3 e outra de 5 anos"Que a segurança seja prioridade"Ao contrário da mulher, Maria Gorete, 46 anos, o pedreiro Raimundo Rodrigues da Costa, 55, não tinha costume de ir à igreja. Mas, no último domingo, ele decidiu rezar. E perguntou a Maria: "Agora a gente vai toda semana, né?". Ela estranhou a atitude do marido, mas concordou. Como sempre, a casa da família Rodrigues, em Águas Lindas (GO), estava cheia. Ninguém imaginaria que logo na segunda-feira chegaria a notícia triste da morte de Raimundo. Ele sustentava a mulher, o único neto, de 3 anos, e três filhos desempregados.Por volta das 19h de 4 de janeiro, colegas de trabalho avisaram à família sobre o acidente fatal. "Foi um choque geral", contou o mais velho dos cinco filhos, Antônio Francisco, 29 anos (na foto com a família, segurando o retrato do pai). O pedreiro foi soterrado em um buraco de 4m de profundidade por volta das 16h, em uma obra em uma área de restaurante na comercial da 115 Sul. Doze operários trabalhavam na remoção de uma forma de madeira montada para moldar a parede de concreto do subsolo da construção. No momento da retirada, a terra molhada cedeu. Os companheiros de Raimundo se salvaram.O pai da família é lembrado como um homem brincalhão, alegre e trabalhador. Por isso, os filhos tentam manter o astral alto. "Vamos ficar ainda mais unidos para apoiar minha mãe", garantiu Antônio ao lado dos irmãos. Todos os dias, Raimundo acordava às 3h, preparava o café e saía para o trabalho por volta das 5h30. Ele nunca havia sofrido qualquer acidente em obras. "Esperamos que a segurança seja prioridade nos trabalhos de obras para evitar que outras famílias passem por isso", emocionou-se Antônio.A VÍTIMARaimundo Rodrigues da Costa,55 anosMorava em Águas Lindas de GoiásTrabalhava havia três anos na M. Gonçalves Investimentos e Participações LtdaEra casado com Maria Gorete Teixeira Costa, 46 anos.Deixou cinco filhos e um neto de 3 anos"Por que logo o meu marido?"A dona de casa Zebina Maria de Jesus, 60 anos (na foto, segurando o retrato tirado no próprio casamento), chora todos os dias a morte do marido, Nilo da Mota Henrique, 57. Em 3 de dezembro do ano passado, ele foi eletrocutado enquanto trabalhava em uma obra em Águas Claras. Sem dinheiro, a viúva sobrevive com a ajuda de amigos e parentes. Em uma pequena casa em Samambaia, ela mora com dois filhos e um sobrinho. Gilvanei de Mota, 21 anos, ficou paraplégico nove meses antes da morte do pai ao levar um tiro e colabora com o salário mínimo da aposentadoria por invalidez. Ainda hoje, ele lamenta o ocorrido. "Meu pai estava em desvio de função, não era carregador e mandaram ele levar umas cabaças. O lugar estava cheio de gambiarras de fio e água. Como ele estava sem luva, sofreu o choque fatal."Gil é a maior companhia da mãe, que passa o dia em casa. "A morte dele desestruturou a família. É impossível substituir alguém tão querido", disse, com a voz firme. Zebina fica nervosa ao se lembrar do marido. Ao contar a história, engasga com frequência, e os olhos marejam a todo instante: "Acabou o tempo bom para mim. Por que logo o meu marido? Uma pessoa tão boa. Foi o único homem que amei. Agora estou sozinha". Os dois eram casados desde 1972.Zebina lembra como se fosse hoje o dia em que um carro da empresa na qual Nilo trabalhava parou na frente da casa dela. "Senti que havia acontecido alguma coisa com o meu marido. Nilo dizia que o maior medo dele era morrer em qualquer tipo de acidente", disse. Três semanas antes da tragédia, todos os filhos de Nilo - de dois casamentos diferentes - se reuniram para rir e conversar com o pai. "Parecia até uma despedida", concluiu Gil.A VÍTIMANilo da Mota Henrique, 57 anosMorava em SamambaiaVeio do Piauí para trabalhar com construção em BrasíliaEra casado com Zebina Maria de Jesus, 60 anos.Deixou 10 irmãos, sete filhos - de dois casamentos - e muitos netos

Fonte: Correioweb

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